Há temas que continuam a ser grandes tabus nos nossos dias. Por exemplo, as finanças pessoais, apesar da muita informação que já existe ao nosso dispor, continua a ser tratada com um enorme secretismo. Poucos são os que partilham as suas aprendizagens e “segredos”. E é curioso pensar na importância, no impacto, que esta área ocupa nas nossas vidas.
Outro tema tabu, também de extrema importância nas nossas vidas, é o sexo. É provável que sobre este exista ainda mais informação, mas é sobre ele que fazemos ainda mais segredo. A vergonha e o medo do julgamento ocupam nele um enorme peso.
Convido-te a fazer um exercício. Responde às seguintes questões:
– Tens no teu grupo de amigos mais próximos alguém assumidamente homossexual?
– Conheces casais que fazem, ou fizeram, swing?
– Tens amigos assumidamente bissexuais?
Se conseguires responder a todas afirmativamente, eu arrisco dizer, fazes parte de uma minoria. Mas assumo que a minha realidade poderá não ser, de todo, a norma. E onde é que pretendo chegar?
Acredito que temos de falar mais abertamente sobre este tema. Temos de conseguir construir uma sociedade aberta e tolerante. Capaz de entender o impacto do sexo na mesma. Bem sei que não será vista como uma prioridade, mas será que não o deveria ser?
A primeira experiência sexual.
Hoje o acesso à informação é incomparável à realidade vivida até há bem pouco tempo. Não precisamos de fazer uma viagem no tempo muito longa para nos recordarmos do famoso Canal 18 e do seu impacto na sociedade.
A internet era muito diferente do que é hoje, e o Canal 18 preenchia um espaço que hoje está saturado por milhares de sites porno. E ele teve um papel muito importante na vida de muitos jovens, homens, principalmente. Arrisco dizer que para muitos dos meus amigos de infância, esse foi o meio que possibilitou ter um primeiro contacto com o sexo.
A alternativa ao Canal 18, que apesar de tudo não era de fácil acesso, já que tinhas de ter TV Satélite e esperar por determinado dia e hora para ver, eram as VHS (cassetes de vídeo) com filmes eróticos e pornográficos. Havia quem tivesse possibilidade de alugar num vídeo clube ou que as comprasse, passando por todo o processo de “vergonha” a que isso os sujeitava. Os outros, esperavam que alguém fizesse uma cópia e lhes emprestasse.
Um vídeo que se tornou muito popular nos anos 80 / 90 foi a cassete do Taveira. E este é um excelente exemplo para analisarmos a importância e impacto do sexo na sociedade.
Falamos de um vídeo, para quem não o conhece, onde um famoso arquitecto abusava sexualmente das estagiárias. Este filmava as mesmas, sem o seu consentimento, e sujeitava-as a práticas sexuais muitas vezes contra a sua vontade. E é aqui que temos o grande problema. Nessa altura, para quem via o vídeo era apenas mais um vídeo. Não havia abuso, não existiam problemas. E assim se construiu uma imagem errada e perigosa. O Taveira era o maior. E era assim que nos devíamos comportar sexualmente.
Pergunto-me, quantos jovens viram e fizeram dele um modelo, acabando por fazer o mesmo que ele fazia no vídeo. Acabando assim por moldar as suas experiências sexuais.
Os perigos da pornografia.
Tanto o vídeo do Taveira, como, por exemplo, o da Pamela Anderson com o então marido Tommy Lee, não são vídeos pornográficos. No entanto, assim o foram vistos por muitos durante muitos anos. E fizeram parte da vida de muitos jovens.
A indústria porno é um verdadeiro fenómeno e uma das mais inovadoras. Para quem trabalha na área de comunicação, há imensos exemplos de soluções, experiências, testes, etc. que esta indústria ajudou a criar e desenvolver. Analisar os dados de alguns sites pornográficos, como o Pornhub disponibiliza no seu blog, pode ajudar-nos a entender um pouco melhor a sociedade e alguns comportamentos da mesma. Podemos até traçar algumas tendências.
Mas é também a indústria porno que pode normalizar comportamentos inapropriados. São também os filmes que podem criar uma ideia completamente errada da realidade. Se o vídeo do Taveira propagou uma ideia errada sobre o sexo há alguns anos, infelizmente a indústria ainda continua a perpetuar essa mesma ideia até hoje. Vejam a Ted Talk “Let’s Talk Porn” de Maria Ahlin. Que imagem é construida por quem se deixa “educar” pela pornografia?
Maria Ahlin fala no seu vídeo sobre o vício em pornografia. Mas já conheceste alguém que tenha assumido esse problema? Convido-te a ver e ouvir a história de Eli Nash:
Quando vi esta Ted Talk fiquei a pensar no assunto. Afinal, qual a minha relação com a pornografia? Curiosamente, dias depois, ouvi o podcast do Salvador Martinha onde este falava também sobre o tema.
Entre vários aspectos, há um que ele refere que me parece pertinente analisar: os grupos de Whatsapp. Todos, principalmente os homens, temos aquele(s) grupo(s) onde os amigos / conhecidos partilham diariamente vídeos, imagens, links, etc. de sexo ou similares. Mas pior, quando partilham vídeos privados que por algum motivo foram parar à internet. Mais uma vez, voltamos a ter o problema do vídeo do Taveira.
Mas por que temos tanto interesse na pornografia?
A facilidade de acesso e a normalização do seu consumo levam a que seja tão comum. Quase sem querer acabamos por consumir conteúdos pornográficos, muitas vezes porque recebemos pequenos estímulos para o fazer – como os grupos de Whatsapp.
Além disso, a procura pelo prazer imediato, pela libertação de dopamina, faz com que procuremos este tipo de estímulos. Andrew Huberman explica por que motivo a pornografia acaba por se tornar um hábito tão perigoso.
A pornografia assume assim, mais uma vez, um papel negativo na criação de uma vida sexual saudável, assim como das próprias relações.
Os jovens e o sexo.
Vivendo numa realidade tão fortemente sexualizada podemos até pensar que há hoje mais sexo do que antes. Mas, por incrível que nos pareça, a realidade diz-nos precisamente o contrário.
Estudos indicam que hoje, a falta de sexo, é algo comum entre várias faixas etárias (ler mais AQUI e AQUI). A pandemia e o facto de os jovens viveram até mais tarde com os pais, pode ajudar a explicar, em parte, este fenómeno. Mas o verdadeiro problema parece estar no tempo que passamos ligados online. Enquanto procurams construir relações digitais, descuramos nas verdadeiras relações, as que estão mesmo ao nosso lado.
No episódio do podcast The Diary Of a CEO com Jay Shetty refere que “(…) because of social media there’s this image that everyone else is having sex and I’m not. I feel like that’s like a very big feeling that a lot of people have and all the stats show the people having less and less sex, there are more and more sexless relationships and marriages every single year and it’s so much more common. Yet, in our groups and online, everyone feels like ‘oh they’re getting some and they’re getting some’ but I’m not. And the truth is most people are not getting any.“, mais uma vez, construimos uma realidade bem diferente da verdadeira, por culpa do digital.
Como falei no começo deste artigo, penso que é importante falarmos abertamente do tema, procurar entender melhor o que é o sexo. Como o vivemos, o que sabemos sobre o mesmo. Todos teremos com toda a certeza, experiências diferentes, e formas de viver a nossa sexualidade de diferentes formas. Importa partilhar para, em alguns casos, normalizar esses comportamentos. Em outros, entender como os mudar.
Penso que é mais natural falar de sexo entre as mulheres, de uma forma mais aberta e construtiva, ao contrário do que acontece no caso do género masculino. Hoje mulheres como a Tânia Graça, por exemplo, ajudam a desmitificar muitos tabus à volta do sexo, masturbação, etc. entre o género feminino, mas no caso do género masculino não conheço nenhuma referência.
Os homens continuam a viver a sexualidade de forma diferente, com premissas e ideias erradas. E, muitas vezes, com aquilo que aprendem online.
Não podemos, mais uma vez, deixar ao acaso esta área da nossa vida. É importante que tenhamos consciência que ao ignorarmos o tema deixamos que as pessoas procurem informação e que, em muitos casos, se deparem com informação enviesada e muitas vezes errada.
O sexo é uma parte fundamental do nosso desenvolvimento enquanto seres sociais. Ele não terá apenas impacto naquilo que são as relações mais íntimas, mas também na forma como nos relacionamos com os outros.